Pode parecer clichê mas as cores nos
filmes são fundamentais, afinal, elas são responsáveis em definir o
comportamento físico, mental e emocional de cada personagem ou
cena. Georges Méliès foi o precursor em dar cor aos filmes, pintando à
mão – “FRAME À FRAME” – apenas pela estética.
Com o passar dos anos, após a inclusão
do expressionismo nos filmes, grandes diretores entenderam que além da
atuação, a melhor forma de conectar o espectador diretamente seria
influenciar suas atitudes e emoções através das cores, em construir
climas e atmosferas ou passar mensagens críticas e psicológicas em cada
cena.
Na construção visual de um filme ou
personagem, o Diretor define junto com a equipe de Arte e diretor de
Fotografia o clima e estética. O uso das cores nesse caso é primordial
nos figurinos, cenários e iluminação de uma cena, usando tonalidades que
“direcionam” a atenção e despertam no público, os sentimentos e
percepções desejados.
Por esse motivo, meus amigos, todos os
elementos enquadrados na tela são muito bem pensados e posicionados,
estabelecendo harmonia de forma única.
As cores podem até passar despercebidas
por nós durante um filme, mas a conexão que elas têm (às vezes
imperceptíveis) afetam diretamente o nosso psicológico e, tem um papel
fundamental no entendimento de ações que muitas vezes não são explicados
durante o filme.
Para entender melhor os significados de cada cor:
ROSA/ROXO
O GRANDE HOTEL BUDAPESTE (2014) – WES ANDERSON
Gênio
da atualidade, conduz maestralmente planos simétricos e com
profundidade de campo, inspirados nas obras do mestre Stanley Kubrick.
Brinca com praticamente todos os tons de cores cromáticos em cenas
específicas, de acordo com ritmo e emoções da narrativa. Anderson usa
fotografia quente (presente) e fria (passado), para distinguir as duas
épocas retratadas: a do escritor e a história contada.
O rosa é a cor que compõe o filme. A
fotografia puxando mais para o quente acentua a cor dando um ar vintage
que nos remete a “infância” e “romance” pelas cores vivas, traz
tranquilidade e fantasia. A composição vai muito além do trabalho
caprichado da direção de arte, Anderson se preocupa muito com os
enquadramentos, é quase uma sequência de quadros pintados à mão (frame à
frame). O figurino do protagonista é na cor roxo, que representa sua
“pureza” e sofisticação.
UMA CIDADE SEM LEI (2010) – GUY MOSHE
Por
se tratar de uma história inspirada no teatro cultural do Japão antigo
(Bunraku), os tons de cores do filme são fantasiosos, tudo o que lembra a
infância e remete ao imaginário. Pela consequência das guerras, as
armas de fogo foram completamente proibidas, mas nessa cidade a
violência com armas brancas e grupos de gangues matadores ainda são
muito frequentes.
As cores do figurino dos personagens são
sempre neutras, o destaque maior é na fotografia. Dificilmente uma cena
é composta por apenas uma cor de luz, sempre são usadas cores frias e
quentes ao mesmo tempo, dependendo do temperamento da cena. No caso
desse filme, o roxo representa a “fantasia” e “sonho”.
AZUL
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (2010) – TIM BURTON
Uma história completamente fantasiosa
mistura cores alegres a tons frios, deixando Wonderland um lugar
abandonado e triste, que é a proposta do filme já que Alice volta depois
de muitos anos. A fotografia fria (azulada) prevalece em praticamente
todas as cenas. Como de costume, Tim Burton adora explorar as
ferramentas ilimitadas dos efeitos visuais.
A cor do vestido de Alice representa sua
personalidade, uma pessoa “calma” e “confiável”. Aqui, o azul é
presente não só no figurino, na fotografia e cenários também são
constantes. “Fidelidade” e “afeto” fazem parte das emoções retratadas
pela tonalidade azul.
NOSSO LAR (2010) – WAGNER DE ASSIS
Poucos
diretores brasileiros sabem respeitar quando e onde usar os tons de
cores, independente do gênero. O filme passou batido por muitos, mas é
uma obra prima no termo artístico e pouco explorado pelo cinema
nacional. O filme conta ainda com uma direção de arte impecável!
Ao contrario da Alice, o azul não compõe
a personalidade do protagonista. Aqui a cor representa a “paz” na
cidade de Nosso Lar. Wagner brinca com tons de azul e traz personalidade
e um “sentimento profundo” de “tranquilidade” e “segurança” ao
espectador, independente de sua crença. Um feito único e merece ser
estudado.
VERDE
TRILOGIA MATRIX (1999 / 2002 / 2003) – IRMÃS WACHOWSKI
Um dos filmes mais vistos na história do cinema!
Foi o pontapé inicial nas super
produções cinematográficas, as Wachowski (na época irmãos Wachowski),
praticamente criaram recursos e adaptaram equipamentos tecnológicos
ainda não existentes para ficção de Matrix.
Os figurinos e cenários usam cores
escuras sem nenhum destaque, o foco maior é na fotografia fria e tons
(esverdeado). Por ser uma cor pouco explorada em filmes, de imediato,
causa estranheza ao público, em seguida entendemos o porque a escolha da
cor, que representa “equilíbrio”. O uso do verde remete a uma pessoa
equilibrada internamente, que é o caso dos personagens secundários, Neo
por sua vez ainda não o possui, nesse caso a cor representa a “coragem” e
“serenidade” em fazer parte desse mundo.
O COZINHEIRO, O LADRÃO, SUA MULHER E SEU AMANTE (1989) – PETER GREENAWAY
Diretor perfeccionista, usa apenas 5 cenários cada um representado por uma cor diferente.
Estacionamento – Azul: simboliza o drama, a frieza e tristeza.
Restaurante – Vermelho: ira, amor, ciúmes e violência.
Banheiro – Branco: sentimento honesto e puro dos amantes.
Biblioteca – Dourado: inteligência e sofisticação.
Cozinha – Verde: o alimento, símbolo da natureza.
Nesse caso existe uma controvérsia
proposital na representação do verde. Além do alimento gerado pela
“natureza”, aqui ele representa um outro ponto de vista: é onde os
amantes têm suas relações sexuais diariamente. Isso representa o lado
animal e selvagem da natureza, a “coragem” em ter relações com o amante
de baixo do nariz do marido, ou até mesmo o espírito da “juventude” em
se aventurar. Sem contar a percepção do diretor em trocar a cor do
figurino dos personagens a cada mudança de cenário… Genial!!
AMARELO
KILL BILL (2003) – QUENTIN TARANTINO
Nesse
filme o amarelo quer dizer muito mais do que apenas o figurino (marca
texto) da Beatrix Kiddo, inspirado no Bruce Lee de Jogo da Morte (1978).
Aqui, este tom é predominante, seja na fotografia quente (amarelada) ou
figurinos e objetos de cena. As cores quentes vibram na tela e induz o
espectador aos sentimentos projetados.
Na cultura Oriental, o amarelo significa
“vingança”, isso explica o motivo da cor do figurino. Mas para nós o
amarelo também nos remete a “esperança”, “orgulho”, além de ser uma cor
que “estimula” o prazer em torcer pela protagonista, fazendo com que uma
cena de violência se torne no mínimo necessária para o espectador. O
figurino e o cabelo não são os únicos nessa cor, existe também a
caminhonete e a moto.
MOONRISE KINGDOM (2012) – WES ANDERSON
Um
Diretor que se denomina autoral, no mínimo explora algumas
características únicas em todos os seus filmes. No caso de Anderson são
os enquadramentos muito bem estudados e a composição de cores. Desde a
fotografia, situando a década de 60, até os pequenos detalhes de
figurino e objetos de cenas escolhidos a dedo compõem muito bem a cor
amarela.
A cor não só “estimula” os desejos do
personagem, como influencia o espectador a sentir “felicidade” e
“esperança” ao ver os protagonistas assumirem a aventura em busca da
liberdade. Pode-se dizer até que nesse caso ela representa a natureza
(por ser um escoteiro) e, trabalha bem a ingenuidade tanto nos garotos
quanto nos adultos, que são tão inocentes e puros como as crianças. É
engraçado ver a humanização caricata dos personagens adultos nos filmes
de Anderson, “humor” presente desde sua expressão, até seu jeito de
caminhar ou interagir.
LARANJA
SEM LIMITES (2011) – NEIL BURGER
Um filme tecnicamente simples, com um roteiro envolvente e que a fotografia funciona perfeitamente bem.
O diretor de fotografia usa duas
tonalidades de cor para definir tanto o ritmo quanto o estado físico do
personagem. Quando ele é apenas o escritor melancólico, que não consegue
ter ideias para terminar o livro, um cara triste e com auto estima
baixa, a fotografia é completamente fria, fazendo o espectador sentir
pena e até se identificar com o personagem, isso aflora o nosso extinto
mais humano: criar o sentimento de compaixão.
Feito isso, o público está nas mãos do
diretor nos primeiros minutos do filme. Quando ele toma a droga
experimental e faz o efeito em poucos segundos, vemos o personagem dessa
forma, “alegre”, com auto confiança suficiente para fazer qualquer
coisa. Essa fotografia super quente (alaranjada), nos imprime o
sentimento do “prazer” em possuir a droga, picos de “adrenalina” e
“tentação”, afinal quem não tem vontade de experimentar vendo a reação
momentânea do personagem? Essa cor funciona bem e usa a seu favor de
forma “convidativa”.
NA NATUREZA SELVAGEM (2007) – SEAN PENN
Filme
baseado em fatos reais, e na minha opinião o melhor dirigido por Sean
Penn. Aqui ele se mostrou um verdadeiro contador de histórias, o roteiro
flui bem, cria-se empatia e compaixão absoluta ao personagem.
Christopher McCandless (Emile Hirsch)
acaba de se formar e decide largar tudo, viajando apenas com uma
mochila, sem rumo pelos EUA.
O foco desse filme não é contar história
a partir de elementos secundários, como figurino, objetos de cena ou
até mesmo a fotografia. Aqui a ideia é a trajetória do personagem real,
rumo à liberdade. Nessa cena temos a fotografia a favor do sol, que
representa o “prazer” e “alegria” em vivenciar pequenos momentos da
vida, e o enredo faz questão de nos lembrar dessas pequenas coisas que
deixamos de lado por causa de nossas vidas rotineiras. Essa cor atinge o
sentimento emocional mais profundo.
VERMELHO
VOLVER (2006) – PEDRO ALMODÓVAR
Mulher:
um sexo frágil. Almodóvar aborda esse tema e mostra com sutileza o
oposto. Em um universo feminino, onde o homem representa a fragilidade,
as mulheres dão um show.
Almodóvar não tem medo de usar o vermelho, por onde você olha em qualquer plano, existe alguma coisa nesse tom.
Em todos os filmes dele essa cor é predominante.
Apenas em três looks da Raimunda
(Penélope Cruz) vemos que todos têm o charme da cor vermelha, em que
representa muito bem a personagem “forte”, com “sensualidade” e
“paixão”.
O “sangue” na faca, seguido da cena
anterior, apenas nos confirma que o sexo feminino não é nada frágil,
apresentando “violência” de forma rápida e claro, sem perder o charme e
sensualidade. Já a fotografia é a clássica (amarelada), acentuando ainda
mais as cenas ao “desejo”, deixando o vermelho da faca vibrante,
enquanto a luz desenha sombriamente o lado esquerdo do rosto, composição
perfeita para a cena.
2001: UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO (1968) – STANLEY KUBRICK
Sem
dúvida uma obra prima da ficção científica. Kubrick sempre teve
liberdade criativa em todos os seus filmes, um diretor difícil de lidar
pelo seu perfeccionismo, mas que nos compensa com os enquadramentos
simétricos e uma direção de arte e fotografia completamente impecáveis.
Nesse caso temos duas situações em que o vermelho representa ações
diferentes.
Na primeira temos David Bowmman (Keir
Dullea) com uniforme vermelho contrastando o cenário branco e calmo da
estação espacial, cena em que antecede os acontecimentos, onde a cor
alerta o “perigo” a seguir, ou simplesmente mostrar a “força” como
personagem. Situação em que a cor predominante é o foco da ação.
Nesta
segunda cena temos a ação do “perigo” acontecendo, “tensão”,
“violência”, “guerra”. Por último (e não menos importante), HAL 9000 (à
direita) e sua cor vermelho intenso representando o “ódio”. Nesse caso o
foco não é só o objeto de ação, e sim o cenário como um todo, luz
vermelha iluminando a cena nos dá a sensação de claustrofobia e perigo
iminente.
CINZA
INSIDE LLEWYN DAVIS: A BALADA DE UM HOMEM COMUM (2013) – IRMÃOS COEN
Os
irmãos Coen são mestres em criar atmosferas e situações que favorecem
as ações dos personagens. A historia é baseada em um cantor frustrado de
folk, que vive de favores e não tem perspectiva nenhuma do futuro.
Situação perfeita para trabalhar a melancolia.
O clima do filme é bem trabalhado na
fotografia fria, nos passa a imagem de um personagem “triste”. A equipe
de arte usa bem a questão do “melancólico” e “sujeira” para compor uma
cidade triste e sem esperança. Por ser um artista que vivencia a mudança
de seu público pelo gosto musical, faz o espectador entender que ele
está ficando “velho” para continuar nessa caminhada da instabilidade,
que está ficando cada vez mais no “passado”, mesmo sendo um artista
inteligente e que acredita no seu potencial.
ANTICRISTO (2009) – LARS VON TRIER
Um
diretor único. Ele consegue ser polêmico, aborda temas absurdos,
maltrata psicologicamente os atores, é criticado pelo mundo. Mas o
grande público (incluindo a crítica especializada) aguarda ansioso a
estreia de seu próximo filme, e o idolatram por mais um feito magnífico.
Como isso acontece? De novo, sendo um diretor único!
Von Trier consegue retratar a
“depressão” com imagens belíssimas! Ele consegue mesclar a “tristeza” da
perda com momentos de prazer! Mesmo com esse título, não é um filme de
terror, aqui a “melancolia” toma conta de uma das melhores reproduções
de suspense/drama do cinema. O ar atmosférico frio, cinza, cativa o
espectador da mesma forma que o tormenta. Uma execução de clima gélido
magnífica, sem contar com a atuação perfeita da dupla de protagonistas
(Charlotte Gainsboung) e (Willem Dafoe).
PRETO
AMANTES ETERNOS (2013) – JIM JARMUSCH
Considerado
diretor de cinema independente americano, costuma realizar seus filmes
com baixo orçamento e total controle sobre eles. ‘Amantes Eternos’ conta
a história de um casal de vampiros em pleno século XXI, Adam (Tom
Hiddleston) completamente incomodado com a evolução humana se recusa a
enxergar um mundo moderno, já Eve (Tilda Swinton) vê o oposto, ela usa
recursos da modernidade a seu favor e acredita ser um mundo melhor que
os séculos passados. Jarmusch não só usa os tons de preto para compor o
filme, como criou um novo universo e concepção para filmes de vampiros.
Pela insatisfação com o mundo nos dias
de hoje, a melhor forma de retratar seus sentimentos de “angustia” e
“tristeza” é uma fotografia Noir – que trabalha uma escuridão intensa
contrastado levemente com uma luz (quente e fria). A “melancolia” e
“dor” de Adam são muito bem representados pela cor preta. A trilha feita
pelo próprio personagem dá ritmo ao filme criando o clima desejado de
profunda inquietação.
LABIRINTO DO FAUNO (2006) – GUILHERMO DEL TORO
Del
Toro antes de se tornar diretor era especialista em maquiagem de
efeitos visuais, isso explica a peculiaridade artística em seus filmes.
Pós guerra civil na Espanha, Ofelia (Ivana Baquero) encontra um
labirinto em seu jardim e descobre uma imensidão fantasiosa.
As cores trabalhadas aqui são frias,
isso remete a época retratada. O preto se torna a cor onipresente na
vida de Ofelia, retrata sua “angustia” pela “morte” de seu pai, sua
“tristeza” em ver sua mãe se relacionar com o oficial fascista e, a
“solidão”. Como toda criança, Ofelia procura se distrair e acaba
descobrindo o labirinto e seu novo amigo, Fauno. Tudo isso é
representado pela escuridão e o “medo” do desconhecido.
Claro que a arte do cinema está na
interpretação de cada um, em muitos filmes as cores são usadas de forma
(inocente), não havendo algum significado emocional, apenas estético,
pois não existe o certo e errado quando se cria algo novo. Mas a vida
faz muito mais sentido quando entendemos quem são os responsáveis em
estimular aquele medo de uma determinada cena, o prazer em ver o
personagem encontrando a garota dos sonhos, ou apenas pela satisfação em
ser um cinéfilo.
Fonte: 1
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